O Caetano e o José das Cruzes eram duas figuras típicas que, no primeiro quartel do século passado, percorriam, diariamente, a estrada que vai das Lajes à Madalena, ou vice-versa.
Conduziam o carro da mala, como era conhecido. Um carro de bestas que fazia o transporte da mala do correio e de passageiros entre as duas vila, principalmente, aqueles que viajavam até à ilha do Faial.
As mulas, já envelhecidas e cansadas, faziam o trajecto, pausadamente, havendo ocasiões em que os passageiros eram forçados a sair dos seus lugares para subirem a pé as ladeiras do percurso. E esses tradicionais transportes não tinham espaço para muitos passageiros. Nem uma dúzia sequer. É por isso que andavam sempre lotados. Raramente, alguns dos passageiros que neles transitavam, ficavam pelas freguesias do percurso, o que permitia a outros ocuparem os lugares então vazios.
Os boleeiros ou cocheiros não tinham grandes pressas. Deixavam os animais seguir o seu caminho, vagarosamente, pois sabiam que deles não podiam exigir mais.
Enquanto uma parelha ficava no final do percurso, a descansar, outra tomava o lugar. E assim, alternadamente.
Os carros eram pouco cómodos. Deviam ter iniciado a carreira quando a estrada Madalena -Lajes ficou completa. E as pontes da Ribeira do Meio tem as datas de 1877 e 1879. Os acentos estavam gastos de tantos anos de uso e não ofereciam nenhum conforto aos utentes.
No entanto, já em 1920 existiam na Madalena carros de aluguer pertencentes a Manuel Garcia da Costa, Manuel Francisco da Silva e José da Silva Telheiros. Estes deviam ser carros de bestas como eram conhecidos, pois, além desses, havia dois automóveis pertencentes, respectivamente, a António Moniz Furtado de Simas e Estevam Garcia da Costa.
Nos princípios dos anos vinte do século passado, fundaram-se as empresas de camionagem Cristiano, Lda. e Empresa União Automobilística Madalense. Esta teve pouca duração e o respectivo património foi incorporado na Cristiano, Lda. que hoje se mantém e explora a actividade em toda a ilha.
As lanchas do canal faziam duas viagens, uma de manhã e outra ao meio dia. As camionetas, respeitando aquele horário, partiam das Lajes às quatro horas da madrugada para “apanharem” a lancha e regressavam, depois de ela chegar ao porto da Madalena, no princípio da tarde. O movimento de passageiros, de diminuto que era, não aconselhava outros horários, como actualmente.
Era sempre uma festa quando, no início, as camionetas chegavam às Lajes, meia tarde, vindas da Madalena, transportando alguma carga, mala do correio e passageiros. Um dos primeiros condutores foi Flamínio d’Oliveira Frayão, da Horta, que aqui fixou residência com a esposa e filhos e foi um dos introdutores do futebol, nesta Vila, em 1924. É mesmo um dos subscritores dos primeiros e únicos estatutos do Clube Desportivo Lajense (Alvará de 28-4-1924). A primeira bola de futebol que existiu nas Lajes foi por ele trazida da Horta.
Simpáticos, atenciosos e serviçais eram, e são, os condutores das camionetas do Pico. Podia lembrar o Manuel Prudêncio, o Luís Caetano das Neves, o Manuel Fernandes, o Emílio Azevedo e outros mais, como igualmente, os respectivos ajudantes, como o José Luís e o António de São João. Durante estes anos todos a lista seria avantajada. No canal foi o Caetano e o histórico Gilberto.
O Caetano, que foi um dos boleeiros dos carros de bestas, ficou pela Madalena e dedicou-se a fazer “mandaletes” entre os portos do Pico e Faial nas lanchas do Canal. E quando já não podia fazer as viagens, era vê-lo sempre no cais, já envelhecido e alquebrado, à chegada das lanchas...para tomar o cabo e receber algumas moedas de antigos “fregueses”. Causava pena vê-lo por ali, já sem quase ninguém que lhe prestasse atenção.
O José das Cruzes desapareceu cedo e pouco o conheci. E outros mais houve, bons serviçais que se distinguiam pela sua seriedade e honestidade.
Por esta Ilha além, outras figuras houve que ficaram esquecidas para sempre e que, no entanto, nos seus tempos, tiveram alguma projecção nas sociedades onde viveram. Recordo o Manuel Joaquim (Búzio), o João da Joaquina e outros mais que faziam o percurso a pé, às segundas e quintas-feiras, da Piedade à Lajes, conduzindo a mala do correio para todas as freguesias e lugares, onde existiam postos do correio a cargo de comerciantes idóneos. É pena que assim aconteça e que esses servidores hajam passado ao esquecimento das gerações que se lhes seguiram. A todos presto a minha singela homenagem.
Voltar para Crónicas e Artigos |